O relatório 50 Years of Tourism da UN Tourism apresenta uma análise abrangente deste percurso, destacando a evolução quantitativa e qualitativa das viagens internacionais, a crescente diversificação de mercados, o impacto económico global e os desafios futuros que moldarão o desenvolvimento do setor.
1. Crescimento económico e expansão do turismo global
Entre 1975 e 2025, o mundo assistiu a um crescimento extraordinário do turismo internacional. As chegadas de turistas internacionais passaram de 222 milhões para 1,5 mil milhões, o que representa uma aproximada multiplicação por 7! Durante o mesmo período, a população mundial duplicou, mas o crescimento do turismo ultrapassou largamente esse ritmo, evidenciando uma procura crescente por viagens internacionais e um aumento significativo na acessibilidade global ao turismo.
A expansão é igualmente visível ao nível das receitas do turismo internacional, que cresceram de cerca de 41 mil milhões de USD em 1975 para 1,9 biliões de dólares norte-americanos em 2025, um aumento aproximado de onze vezes em termos reais. Ao incluir as receitas do transporte internacional de passageiros, o total das exportações provenientes do turismo deverá atingir 2,2 biliões de dólares norte-americanos em 2025. Estes números demonstram a crescente importância económica do turismo como fonte de receitas externas para países de todas as regiões.
A contribuição direta do turismo para o PIB global também evidenciou um aumento assinalável. Entre 2008 (primeiro ano com dados comparáveis) e 2023, o turismo gerou, de forma direta, entre 2,6 e 3,4 biliões de dólares, correspondendo a cerca de 3 a 4% do PIB mundial. Este crescimento foi impulsionado por uma maior conectividade, desenvolvimento de infraestruturas, digitalização, novos modelos de negócio e aumento da classe média à escala global, com especial incidência nos mercados emergentes.
O aumento do turismo foi igualmente acompanhado por maior gasto médio por viagem, que subiu 54% em termos reais, indicando que os turistas não só viajam mais, como gastam mais em cada deslocação, deixando maiores fluxos financeiros nas regiões de destino.
Figura 1 - Indicadores de conjuntura e de evolução do turismo, 1975-2015
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
2. Fatores estruturais que moldaram a expansão do turismo
O relatório identifica vários elementos que explicam a evolução positiva do turismo:
A digitalização: o aparecimento da internet, a disseminação de dispositivos móveis e o desenvolvimento de plataformas digitais transformaram a forma como se planeia e reserva uma viagem. As agências de viagem online (OTAs) e o alojamento em plataformas de arrendamento de curta duração revolucionaram o mercado;
Surgimento de companhias aéreas low-cost: a partir da década de 90 do século XX, estas transportadoras aumentaram a conectividade e reduziram os custos das viagens, tornando as deslocações acessíveis a novos segmentos populacionais;
Facilitação de vistos e políticas de abertura: muitos governos flexibilizaram requisitos de entrada, incentivando tanto as viagens de lazer como as de negócios;
Crescimento económico nos países emergentes: à medida que milhões de pessoas ascenderam à classe média, o turismo tornou-se um novo bem de consumo global.
Ao mesmo tempo, o setor demonstrou uma resiliência excecional face a diferentes tipos de crises. Antes da pandemia de 2020, as quebras anuais globais raramente superaram os 4%. Fenómenos como os atentados de 11 de setembro, a crise financeira de 2009, surtos epidémicos regionais (SARS, Ebola, Zika) e conflitos geopolíticos tiveram impactos limitados no volume global de viagens.
O único evento que interrompeu profundamente o crescimento contínuo foi a pandemia de COVID-19, que causou uma queda histórica de 72% nas chegadas internacionais em 2020. A recuperação, porém, foi rápida: em 2023 as receitas internacionais regressaram aos valores pré-crise, e em 2024 as chegadas já ultrapassavam os níveis de 2019.
Figura 2 - Evolução das chegadas e receitas turísticas internacionais, 1975-2015
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
Figura 3 - A evolução do número de chegadas internacionais e acontecimentos relevantes à escala global, 1975-2025
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
3. Mudanças regionais e diversificação geográfica
Um dos fenómenos mais marcantes dos últimos cinquenta anos foi a redistribuição regional do turismo internacional.
Em 1975, Europa e Américas representavam 92% das chegadas internacionais. Em 2025, deverão representar apenas 66%, como resultado do crescimento particularmente rápido de outras regiões.
A evolução por regiões evidencia:
Ásia e Pacífico: o caso de maior destaque. O ponto de partida foram os 10 milhões de chegadas em 1975, em 2025 a região deverá atingir 350 milhões de chegadas internacionais, vendo a sua quota global crescer de 5% para cerca de 23%. O aumento da conectividade, o desenvolvimento económico acelerado e a melhoria das infraestruturas contribuíram decisivamente para este fenómeno. A região tornou-se igualmente um dos principais mercados emissores, com a China a assumir liderança no gasto turístico internacional.
Médio Oriente: registou uma subida muito acentuada, de 3,5 milhões de chegadas em 1975 para quase 100 milhões em 2025. A sua quota no turismo global aumentou de 2% para 6%. Países como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita investiram de forma agressiva na diversificação económica através do turismo, emergindo e notabilizando-se de forma gradual como importantes destinos do turismo internacional.
África: evoluiu de forma consistente, passando de menos de 5 milhões de chegadas para 83 milhões em 2025. Apesar da quota global ainda ser relativamente pequena (5%), o potencial de crescimento permanece elevado.
Américas: aumentaram significativamente em números absolutos de chegadas internacionais (de 50 para 224 milhões), mas perderam peso relativo, reduzindo-se de 23% para 15% da quota mundial.
Europa: continua a ser o destino mais visitado do mundo, com cerca de 785 milhões de chegadas internacionais em 2025. Contudo, o seu peso global caiu de 69% para 51%, refletindo a diversificação global do turismo.
Figura 4 - Evolução das chegadas internacionais, por região, 1975-2015
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
As receitas internacionais acompanharam a redistribuição das chegadas. O peso da região Ásia-Pacífico nas receitas mundiais subiu de 6% para 24%, enquanto o da Europa desceu de 64% para 42%. O Médio Oriente quadruplicou a sua quota de 2% para 8%.
Figura 5 - Evolução das receitas turísticas internacionais, por região, 1975-2025
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
4. Evolução dos destinos e dos mercados emissores
A crescente diversificação é visível não só ao nível regional, mas também na composição dos principais destinos turísticos mundiais. O peso relativo dos dez países mais visitados caiu de 61% das chegadas globais em 1980 para 40% em 2024.
Destacam-se:
a permanência de países como França, Espanha, Estados Unidos, Itália e México, ainda entre os mais visitados, mas com quotas decrescentes;
a ascensão da China, Japão e Turquia, impulsionados por investimentos massivos em acessibilidade aérea, infraestruturas e promoção;
o crescimento rápido de destinos emergentes como Uzbequistão, Albânia, Arábia Saudita e Colômbia, que subiram diversas posições no ranking pós-pandemia.
Figura 6 - TOP 10 dos maiores destinos turísticos internacionais (n.º de chegadas), 1980-2024 (%)
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
Também os mercados emissores mudaram substancialmente. Em 1980, mais de 60% das despesas globais eram feitas pelos dez principais mercados, predominantemente europeus e norte-americanos. Em 2024, representaram apenas 53%. A China tornou-se o maior mercado emissor mundial, e países como Austrália, Coreia do Sul, Índia, Arábia Saudita ou Rússia ganharam grande relevância.
Este fenómeno reflete a democratização do turismo internacional e a expansão global da procura.
Figura 7 - TOP10 dos países com maiores gastos relacionados com turismo, 1980-2024 (%)
Fonte: Extraído de UN Tourism “50 Years of Tourism”
5. Impactos socioeconómicos e desafios emergentes
O relatório destaca que o turismo contribuiu para o combate às desigualdades, especialmente em países em desenvolvimento e pequenas ilhas (SIDS), onde representa frequentemente mais de 30% das exportações e até 10% do PIB nacional. Em antigos países menos desenvolvidos, como Cabo Verde, Maldivas, Samoa ou Vanuatu, o turismo representa mais de 60% das exportações.
No entanto, o relatório sublinha que o crescimento sem gestão adequada pode gerar impactos negativos: sobrecarga de infraestruturas, pressão ambiental, consumo excessivo de água e energia, degradação de ecossistemas e tensões sociais. O turismo é um sistema complexo, que interage fortemente com comunidades locais e recursos naturais, exigindo modelos de governança mais sustentáveis, baseados em evidência, planeamento e capacidade de antecipação.
Com a intensificação das alterações climáticas, da volatilidade económica, das mudanças nos comportamentos de viagem e da crescente incerteza geopolítica, o sector enfrenta novos riscos e necessidades de adaptação.
6. Perspetivas até 2030: projeções e riscos
A UN Tourism estima que as chegadas internacionais atinjam 2 mil milhões em 2030, representando um crescimento médio anual de cerca de 5% entre 2025 e 2030, um ritmo em tudo semelhante ao período pré-pandemia (2009–2019).
Esta previsão baseia-se em modelos estatísticos com forte robustez (R² próximo de 0,99) que utilizam projeções do PIB e da população do FMI. Os fatores que deverão impulsionar a procura incluem:
maior conectividade aérea;
crescimento económico contínuo dos mercados emergentes;
novas tecnologias (IA, apps de viagem, e-visas);
investimentos em infraestruturas e atratividade dos destinos.
Todavia, vários riscos podem alterar estas perspetivas, nomeadamente:
tensões geopolíticas (conflitos regionais e instabilidade global);
choques económicos (inflação persistente, volatilidade cambial, crises financeiras);
eventos sanitários (novas epidemias/pandemias);
impactos climáticos e catástrofes naturais;
flutuações no preço da energia.
Apesar destes riscos, o relatório assume que, no cenário base, os impactos serão limitados e não comprometerão o crescimento previsto até 2030.
Conclusão
Nos últimos 50 anos, o turismo evoluiu de uma atividade de elites para um fenómeno global generalizado, culturalmente transformador e economicamente vital. Embora tenha enfrentado choques significativos, com destaque para a pandemia de COVID-19, o sector mostrou resiliência e capacidade de adaptação extraordinárias.
A próxima década coloca o turismo perante desafios sem precedentes: necessidade de sustentabilidade, adaptação às alterações climáticas, reconfiguração dos fluxos de procura e transformação digital acelerada. O futuro exigirá políticas públicas orientadas para a gestão responsável do crescimento, uma planificação baseada em dados e uma governação mais colaborativa entre governos, empresas e comunidades. Nessa medida, o relatório não deixa de sinalizar que, para que o turismo continue a gerar benefícios económicos e sociais, será fundamental equilibrar crescimento com responsabilidade, garantindo que as comunidades e os ecossistemas permanecem no centro das decisões estratégicas.